sexta-feira, 1 de junho de 2012

O amor.


, ao mesmo tempo a pergunta continuava em sua cabeça: o que é um relacionamento? Era mais do que óbvio que haviam centenas de respostas possíveis, mas alguma delas seria capaz de lhe oferecer algum conforto diante da sua atual condição? Gostava dele, sem dúvida nenhuma, mas ao mesmo tempo era isso que a fazia indagar-se sobre sua própria sanidade. De um ponto de vista prático, a solução parecia óbvia: a conversa entre os dois era fluida, tinham excelentes empregos e cultivavam os mesmos gostos. Ela conhecia gente que com muito menos já tinha aceitado o “felizes para sempre” e, a partir disso, transformava um longínquo horizonte de expectativa, num vívido espaço de experiência. Mas a vida não era feita apenas dos pequenos detalhes práticos. Não poderia ser só isso, não mesmo!

Por ter todas essas coisas em comum com o rapaz, acabava se sentindo presa à ele como um senhor de escravos que, após uma lei promulgada pelo imperador, se vê obrigado a cuidar de seu cativo mesmo quando ele está velho e invalido. Toda vez que manifestava sua vontade de largá-lo, alguém se sentia na obrigação de botar algum juízo na sua cabeça dizendo que eles eram almas gêmeas, que tinham tudo a ver e que isso seria a maior estupidez da sua vida, uma verdadeira loucura. Sempre quando confrontada por esses argumentos, ela se perguntava sobre a própria sanidade, seria ela uma louca de pedra por querer um amor de verdade? Mas o que é isso? Essa era uma pergunta que ela não se fazia tanto; ou porque estava muito ocupada curtindo o papel do senhor de engenho, ou então por estar muito ocupada em desenvolver mecanismos de manter intacta a hierarquia entre senhor e servo.

Se ela não tinha forças suficientes para desfazer os grilhões que os prendiam, pelo menos achava interessante a ideia de estar no comando. Afinal, as questões práticas não eram a parte mais importante da vida, mas é sempre bom ter alguém que esteja disposto a te ajudar nesses pequenos detalhes. E isso não se pode negar que o pobre diabo fazia, ela tinha mesmo a impressão de que essa era uma maneira encontrada por ele de compensá-la pelo fato de ser incapaz de tornar-se, para ela, aquele tão sonhado amor de verdade. Por sua vez, a garota inocentemente aceitava essa condição. Na verdade, enquanto ela fosse o senhor de engenho e não o escravo, esse escambo amoroso poderia estender-se indefinidamente, ou melhor, até que ela encontrasse – sabe lá Deus como – o amor verdadeiro.

Numa epifania, a resposta à pergunta sobre o que seria um relacionamento perdeu, para ela, todo o seu sentido. Ao tomar ciência de sua condição nessa história, a menina ia cada vez mais se convencendo de que sua relação talvez fosse mais do que uma manifestação do poderoso senhor de engenho que queria tirar todo o proveito possível do seu escravo já quase invalido. Subitamente a garota foi acometida pela mais absurda ideia que já havia passado pela sua cabeça: a de que aquela pobre alma que esteve ao seu lado por tantos anos, que a amava fielmente a cada dia de sua vida e sempre aceitou de bom grado o papel do inútil cativo nesse faz de contas que até então havia sido a relação deles, estava se tornando o seu amor verdadeiro.

A menina sabia que isso era um absurdo, e sabia disso porque era incapaz de sentir nada além de uma pequena satisfação. Não era mágico. Amar não podia ser só aquilo. Sentia-se mesmo ofendida em pensar que o amor poderia ser algo tão pequeno. Ela não podia correr esse risco, não mesmo! Já não interessava o que era um relacionamento ou o que havia sido o seu relacionamento, já sabia o que devia ser feito, ou melhor, desfeito.

Por fim, livres...

R.C

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