segunda-feira, 7 de maio de 2012

A reunião.

Naquele dia tinham se reunido para votar que nada seria votado. Sentia-se como um jacobino em um daqueles comitês que faziam questão de votar os mais escrotos pormenores da revolução, desde a cor das togas usadas pelos juízes nos tribunais, passando pelo melhor formato das lâminas que fatiariam os contrarrevolucionários sediciosos e, por fim, quando não havia mais nada a ser votado, votavam que não havia mais nada a decidir: - Pelo menos o que os franceses estavam fazendo era algo sem nenhum precedente na história universal! Pensava consigo mesmo enquanto observava todos aqueles rostos que se distanciavam na medida em que se perdia em suas próprias lamentações: - Isso aqui é uma grande palhaçada, isso sim! Coisa de quem supervaloriza a democracia, a vontade da maioria, depois de ter vivido uns bons vinte anos comendo o pão que o capeta amassou.

Com o espírito meio distante do que estava se passando ali, continuava a ignorar aquela trivial conversa típica de um fim de reunião. Parecia mais interessado em entender o que de fato se passava na cabeça daquelas pessoas: - Será que ninguém percebe que isso é uma banalização da própria ideia de liberdade de escolha? Foi obrigado a parar por um instante ao ouvir um dos membros de um grupo mais à esquerda fazer um comentário irônico sobre a estagnação do valor de seus salários. Sem prestar muita atenção no homem de cabelos grisalhos, viu-se novamente pensando na banalidade daquela reunião: - Esses velhos, tão preocupados se a colonização do brasil foi assim ou assado, às vezes parecem se esquecer de uma história mais recente, da qual muitos deles fizeram parte e até mesmo se gabam disso! Pra quê?  Pra quê vocês queriam liberdade? Só pra poderem me tirar de casa às terças e sextas de manhã para decidirmos sobre todas as futilidades possíveis e imagináveis? 

Continuava com a cabeça fervilhando, afinal: era isso que a dimensão mais abrangente da palavra democracia significava para os seus pares na atualidade? Logo eles que (em alguns casos literalmente) quase se mataram para conquistá-la! O que haviam feito dessa conquista nos dias de hoje? Uma liberdade para se abster do poder de escolha sobre as coisas realmente importantes? Subitamente começou a vir em sua cabeça a imagem de uma criança que enjoa de um brinquedo depois de algum tempo de uso e o deixa de lado. Deteve-se nessa cena por alguns minutos, quase com deleite imaginava seus companheiros de trabalho vestindo fraldas e sacudindo um chocalho até se cansarem. É, parece que o brinquedo havia perdido a graça. Sempre perde né?

Ao voltar a si, a reunião continuava a mesma. Todos discutiam os mais variados assuntos. Chegou mesmo a ter a impressão de que o velho de cabelos grisalhos à sua esquerda havia feito a mesma reclamação de antes sobre o seu salário. E assim a reunião continuou, continua e continuará....

R.C.

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